“Triste mundo, que veste quem está vestido e despe quem está nu.”
(Calderón de La Barca)
Um dos maiores problemas observados em nosso país ao longo dos tempos, perpetuando-se até o século atual tem sido o desemprego e conseqüentemente a exclusão social. Uma das causas seria a globalização dos mercados, a qual requer das empresas, de maneira crescente, um alto grau de produtividade a baixos custos. Tais exigências, para serem efetivadas, necessitam de mão-de-obra cada vez mais preparada profissionalmente, tanto no nível de escolaridade quanto na especialização para o desempenho de funções técnicas. Portanto, não é difícil concluir que a inserção dos jovens advindos de famílias de baixa renda no mercado de trabalho é ainda limitado. Imaginemos então a situação de um portador de necessidades especiais. Quais suas chances concretas? Antes de tudo, é fundamental esclarecer o seguinte: um ser humano com alguma deficiência, não deixa de ser uma pessoa igual a todas nós, no entanto com algumas peculiaridades, ou seja, características e limitações próprias, como todos nós temos, em graus e natureza variados. O importante é considerar a deficiência como uma característica que apenas se acrescenta à pessoa, e não a diminui. Neste artigo, especificamente, dou mais destaque à profissionalização, entretanto não considero menos importantes as dificuldades de acesso aos demais direitos, tais como: escola, saúde, cultura, lazer etc.
Ao longo dos tempos, a exclusão dessa parcela da população do acesso à educação e cultura de uma forma em geral, lesou seriamente suas oportunidades de inserção trabalhista e social. De acordo com o Censo Demográfico de 2000 (IBGE), 25 milhões de brasileiros, 14,5 % da população, têm algum tipo de deficiência. E no mundo inteiro, existem hoje cerca de 500 milhões de pessoas com deficiência1. São pessoas que lutam pelos seus direitos, pela qualificação profissional, pela educação e pela inclusão. Quando trabalham (não é a regra, diga-se de passagem), a grande maioria está na informalidade, realizando atividades aquém de suas capacidades, salários abaixo do mínimo e sem estrutura que atenda às suas necessidades específicas. Essa realidade torna esse grupo um dos mais vulneráveis da sociedade atual.
O Brasil de hoje é resultado e conseqüência do Brasil de ontem.Durante muito tempo, por ignorância e medo os portadores de deficiência foram cuidados pela caridade e filantropia, impedindo-os de trabalhar. Infelizmente isso não é coisa do passado, o preconceito persiste. Enquanto isso, em pleno século XXI, nossos governantes insistem na implementação de políticas que criam centros isolados de atendimento para estas pessoas. Segregando-os, ocultando-os, dessa forma, quase não aparecem, permanecem à margem da sociedade, transmitindo uma falsa idéia de que o problema está neles próprios, como se fossem incapazes de se integrarem à sociedade, quando na verdade é a própria sociedade que lhes impede o acesso. Eles existem aos milhares, mas são como um exército de invisíveis, isolados do mundo, sem acesso aos seus direitos como seres humanos e cidadãos. E como se não bastasse, a inadequação das condições de arquitetura, transporte e comunicação, tem impedido o acesso de inúmeras pessoas competentes e produtivas no mercado de trabalho.
Senão vejamos, vamos elencar alguns problemas, os quais para a maioria da população podem até passar despercebidos, mas que são obstáculos, por vezes intransponíveis para os portadores de deficiência.
- Somente escadas como forma de acesso aos prédios sem elevador;
- Portas de circulação estreitas;
- Elevadores pequenos e sem sinalização em Braille;
- Inexistência de banheiros adaptados;
- Balcões altos para atendimento de pessoas em cadeira de rodas ;
- Calçadas estreitas, com pavimento deteriorado e com obstáculos difíceis de serem detectados por pessoas com deficiência visual;
- Inexistência de vagas de estacionamento. O espaço insuficiente de uma vaga pode dificultar a entrada e a saída do carro de usuários de cadeira de rodas e muletas;
- O transporte é o campeão de queixas das pessoas com deficiências por ser o ambiente onde elas se sentem mais desrespeitadas, segundo pesquisa realizada em Salvador pela ONG Vida Brasil e pela Comissão Civil de Acessibilidade de Salvador (Cocas), em 2003/04.2
Vale ressaltar que a partir de 1991, com a implantação da Lei 8.213/91, as empresas passaram a observar a importância de admitirem em seu quadro de funcionários um portador de deficiências. No entanto, não basta empregá-los demonstrando atitudes paternalistas ou adotando projetos assistencialistas. Falo isso, inclusive por experiência própria, pois há alguns anos, ao ser designada para implantar um Projeto de Inclusão Digital para deficientes físicos, encaminharam-me para uma visita à uma Associação Comunitária. Ao chegar lá, apresentaram-me o local, com 10 computadores, recebidos há mais de cinco meses, através de doação, mas em perfeito estado. E tristemente constatei que jamais haviam sido utilizados, pelo simples fato de que não dispunham de instalação elétrica adequada, de monitores/professores qualificados. Acesso à internet, então, nem se fala. Nem dispunham de linha telefônica. Dessa forma, profissionalizar não é um mero ato de generosidade e filantropia, é preciso capacitar o portador de necessidades especiais para que ele se transforme em multiplicador de informações. Podemos dizer que, a inclusão social é, na verdade, uma medida de ordem econômica, já que o portador de deficiência torna-se cidadão produtivo e participativo, diminuindo, assim, os custos sociais.
O essencial é produzir instrumentos eficientes para a redução e eliminação das barreiras. O acesso de portadores de necessidades especiais ao mercado de trabalho é um dos aspectos do processo de inclusão, importante por proporcionar às pessoas condições para a satisfação de suas necessidades básicas, a auto-valorização e o desenvolvimento de suas potencialidades. Sendo assim, profissionalizá-los, exige elaboração de programas específicos cujo principal objetivo seja a adoção de práticas que transformem essas pessoas em profissionais competitivos. Pensando dessa forma, entendemos que a profissionalização do portador de necessidades especiais é uma etapa do seu processo educativo, e este deve promover seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social. Assim como criar oportunidades para este criar novos vínculos e de experimentar o prazer de ser útil, consciente e responsável, resgatando sua auto-estima e cidadania.
O processo de legitimação dos direitos humanos não se resume à legalidade de textos, mas a partir das ações de uma sociedade consciente que, reconhece-os e reivindica-os, alavancando assim a mudança e aplicação das leis. Essa é o verdadeiro significado da cidadania, conquistada e praticada por pessoas e movimentos sociais.