Os sintomas costumam aparecer na fase adulta entre a terceira e quarta décadas de vida e os mais comuns são: dor cervical, dor de cabeça intensa, fraqueza muscular, dormência ou alteração da sensibilidade nos membros e dificuldade de equilíbrio. Outros sintomas que podem surgir são: vertigem, distúrbios visuais, zumbidos, dificuldade para engolir, palpitação, apnéia do sono, diminuição das habilidades motoras finas e fadiga crônica. O exame neurológico realizado pelo especialista auxilia na determinação do diagnóstico, uma vez que pode identificar alteração dos reflexos, da coordenação, do equilíbrio, da marcha, dos nervos cranianos entre outras. A confirmação do diagnóstico é feita pela Ressonância Nuclear Magnética que mostra o defeito na junção entre o crânio e a região cervical.
Essa doença exige o acompanhamento com neurocirurgião, para que o tratamento cirúrgico seja indicado no momento oportuno, quando aparecem evidências da deterioração neurológica, progressão dos sintomas que se tornam incapacitantes e piora das alterações na Ressonância Magnética. A cirurgia é feita através de uma incisão na parte de trás da cabeça e do pescoço sob anestesia geral e visa a descompressão das estruturas nervosas e o restabelecimento da circulação do líquor. Essa cirurgia geralmente apresenta ótimos resultados.
A malformação de Chiari do tipo II (MChII) compõe o espectro das herniações cerebelares inicialmente descritas em 1883 por Cleland (de acordo com Koehler1) e, posteriormente, em 1891 e 1896, por Chiari (citado por Koehler1 e Carmel2). O epônimo Arnold-Chiari foi introduzido em 1907 por Schwalbe e Gredig (de acordo com Koehler1 e Carmel2), discípulos de Arnold no laboratório de patologia de Heidelberg, para caracterizar as herniações cerebelares associadas à spina bifida cística. Alguns autores1,2 consideram a participação de Arnold discreta, por ser limitada a um único caso, preferindo a denominação de malformação de Chiari do tipo II.
Conforme a descrição de Chiari, o tipo I consiste no deslocamento caudal das amígdalas cerebelares através do forâmen magno; o tipo II, na herniação das amígdalas, verme cerebelar, IV ventrículo e porção inferior do bulbo, através do forâmen occipital; o tipo III na herniação do cerebelo e tronco encefálico dentro de uma meningocele cervical alta sendo que, no tipo IV, há hipoplasia cerebelar sem herniação. Várias anomalias do sistema nervoso se associam à MChII e incluem, dentre outras, craniolacunia, alargamento do forâmen magno, hipoplasia de núcleos de nervos cranianos e olivas cerebelares, embicamento ("beaking") da placa tectal, poligiria, heterotopias, laminação desordenada, aumento da massa intermédia do tálamo, colpocefalia, ausência de septo pelúcido, migração superior do cerebelo pela incisura tentorial, hipoplasia da foice do cérebro e da tenda do cerebelo3-6.
Embora presente em todos os portadores de mielomeningocele, a malformação nem sempre é sintomática5,7-9. Quando isso ocorre, porém, torna-se a maior responsável pela mortalidade em portadores de mielodisplasias4,10-14.
Neste estudo analisamos aspectos clínicos e cirúrgicos da malformação de Chiari do tipo II em uma população de portadores de mielodisplasias acompanhadas no Instituto Fernandes Figueira (M.S. - Fiocruz), Rio de Janeiro, R.J. (IFF-Fiocruz).
CASUÍSTICA E MÉTODOS
Foram revistos os prontuários médicos
de 114 crianças portadoras de mielodisplasias, acompanhados pelo
Serviço de Neurocirurgia Pediátrica do IFF-Fiocruz entre janeiro-1987 e
dezembro-1996. Em todos os casos, avaliaram-se os dados referentes a
sinais e sintomas relacionados à MChII, bem como a idade do paciente por
ocasião do início do quadro, métodos diagnósticos empregados,
procedimentos realizados, resposta ao tratamento e causa da morte. Os
pacientes foram divididos em Grupos I (idade inferior a 12 meses) e
Grupo II (idade superior a 12 meses). Dentre 114 portadores de mielomeningocele, 17 (14,9% ) exibiram sinais e sintomas atribuíveis à MChII, sendo 13 durante o primeiro ano de vida (Grupo I) e quatro após este período (Grupo II). Do total, 11 eram do sexo feminino e 6 do sexo masculino. O diagnóstico foi sempre estabelecido com base no quadro clínico. A tomografia computadorizada do crânio (TCC) foi realizada em todos os casos e ressonância nuclear magnética (RNM) do encéfalo e medula cervical, obtida em 6. Em nenhum caso, estes exames serviram para contra-indicar qualquer procedimento cirúrgico.
Em todos os casos do Grupo I , a sintomatologia desenvolveu-se entre 8 e 120 dias de vida (média 60,5 dias). Todos os pacientes tinham paralisia de cordas vocais, confirmada por laringoscopia, 7 pacientes apresentaram apnéia acompanhada de cianose, em 4, a primeira manifestação foi estridor laríngeo, 1 paciente desenvolveu tetraplegia (Tabela 1). Cinco eram previamente derivados e em 1, a TCC mostrou volumosa dilatação hidro-siringomiélica com extensão à fossa posterior, confirmada por ocasião da intervenção cirúrgica (Fig 1).
No Grupo II, a evolução foi mais insidiosa, com sinais e sintomas se manifestando entre 14 meses e 6 anos de idade (média 3,8 a). Em 3 pacientes as queixas foram dores na região cervical e limitação dos movimentos do pescoço, o quarto apresentava frequentes crises de opistótono, 2 pacientes apresentavam nistagmo, um tinha espasticidade com hiperreflexia nos membros superiores, enquanto outro tinha acentuada disbasia, 1 paciente tinha disfagia e regurgitação de alimentos pelas fossas nasais (Tabela 2). Dois pacientes deste grupo tinham disfunção do sistema de derivação.
RESULTADOS
Todos
os óbitos ocorreram no Grupo I. No total, 6 pacientes (35,3% do total e
46,1% do Grupo I) faleceram. Dos 4 lactentes submetidos a descompressão
da fossa posterior, 3 faleceram a despeito da melhora observada no
pós-operatório imediato. Em todos os 3 houve ventriculite precedendo o
quadro. Destes, 2 faleceram por complicações clínicas (septicemia por
infecção urinária e pneumopatia) e o terceiro continuou apresentando
crises esporádicas de apnéia, falecendo por ocasião de uma delas. Uma
paciente encontra-se clinica e neurologicamente estabilizada, apesar de
traqueostomizada. O intervalo de tempo entre o início do quadro e a
descompressão crânio-cervical variou de 3 a 12 dias (media de 6,6 dias).
Dos 8 pacientes submetidos a derivações ventriculares, 3 faleceram e,
em apenas 1, a causa da morte teve relação direta com a MChII (crise de
apnéia). Nos outros 2, os óbitos relacionaram-se a complicações de
derivações valvulares (hemorragia ventricular e ventriculite,
respectivamente). No Grupo II, todos os pacientes apresentaram imediata e dramática regressão dos sinais e sintomas, não se registrando óbitos ou complicações.
DISCUSSÃO
Penfield
e Coburn 6 explicaram a patogenia da MChII como consequência da tração
exercida pelo ancoramento medular no nível da mielomeningocele, o que,
segundo Griebel et al.15, não justificaria as demais malformações associadas. A teoria hidrodinâmica de Gardner16-18
propõe que a imperfuração da fossa rombóide leve à distensão excessiva
do tubo neural e consequente deslocamento caudal das estruturas da fossa
posterior. Cameron3 sugere que a herniação ocorra em razão
de um diferencial de pressão crânio-espinhal causada pelo escoamento de
líquido cefalorraquidiano para o saco amniótico, durante a vida
intra-uterina. Peach5 argumenta que a pressão do líquido
amniótico seria igualmente aplicada ao crânio e ao saco da
mielomeningocele, motivo pelo qual este diferencial não existiria.
McLone e Knepper19 acreditam que a malformação de Chiari
tenha origem na neurulação defeituosa e que a incapacidade em manter a
distensão do sistema ventricular primitivo seria responsável pela falta
de indução mesenquimal, gerando uma fossa posterior de pequenas
dimensões, incapaz de acomodar suas estruturas. A MChII é a responsável pela maioria dos óbitos em portadores de mielomeningocele4,10,-14. Suas manifestações clínicas são insuficientemente conhecidas e nem sempre reconhecidas. Quando o são, sua importância é muitas vezes negligenciada ou subestimada, pois ocorrem em portadores de malformações complexas, de difícil tratamento e resultados pouco gratificantes. A incidência dos sinais e sintomas a ela atribuídos varia de acordo com as fontes consultadas. McLone12 admite que 32% dos portadores de mielomeningocele tenham, em algum momento, manifestações relacionadas à MChII. Para McCullough e Johnson20, o número dos que necessitam especial atenção para este problema não excederia 6%. A MChII pode se manifestar em qualquer idade, e é mais severa em recém-nascidos e lactentes com menos de um ano de vida21,22, sendo melhor a resposta ao tratamento em crianças maiores e adolescentes9,22,23. Estas características são bastante evidentes em nossa casuística, em que todos os óbitos ocorreram em pacientes com idade inferior a 6 meses.
As manifestações clínicas costumam aparecer após a segunda semana de vida14,15,24,25, embora tenham sido também descritas já por ocasião do nascimento6. Em crianças com idade inferior a 1 ano predominam as manifestações relacionadas ao comprometimento do bulbo e dos nervos cranianos baixos. Paralisia de cordas vocais e estridor laríngeo costumam ser as mais frequentes manifestações clínicas. Dificuldade de sucção, apnéia, cianose, pescoço retrovertido e opistótono são frequentemente observados. Disfagia neurogênica resulta da compressão do tronco encefálico e nervos cranianos baixos, à qual invariavelmente se seguem outros sinais de comprometimento bulbar. Em recém-nascidos, estes sintomas podem se manifestar por dificuldade de ingerir leite materno, mamada prolongada e ineficaz, acompanhada de tosse, regurgitação nasal, cianose e sinais de asfixia. Refluxo gastro-esofágico, regurgitação de alimentos e secreções, bem como perda dos reflexos orofaríngeo e traqueo-brônquico, predispõem a pneumonias recidivantes9,13,15,24,26. Os sinais e sintomas costumam ser mais severos em crianças com lesão lombossacra e motilidade preservada nos membros inferiores, que a início não apresentariam hidrocefalia importante13, escapando assim a eventuais critérios seletivos. Cochrane et al.27 dividem as crises apnêicas em dois grupos: as devidas a obstrução de vias aéreas e as conseqüentes a disfunção bulbar. No primeiro caso, a paralisia bilateral dos abdutores das cordas vocais seria responsável por respiração estertorosa e esforço respiratório, precedendo a parada respiratória. Esta forma de apnéia é aliviada por canulação endotraqueal ou traqueostomia. A apnéia mediada por mecanismos centrais também ocorre em associação a paralisia bilateral de cordas vocais, pode apresentar componente obstrutivo e se manifesta quando a criança é manipulada ou submetida a situações de desconforto emocional. Caracteristicamente, ocorre uma apnéia expiratória prolongada acompanhada por cianose que não costuma ser aliviada com as medidas acima descritas. Crianças mais velhas, adolescentes e adultos costumam apresentar sinais cerebelares, fraqueza nos membros superiores e espasticidade, sendo mais raro o acometimento de nervos cranianos11,15,24,28,29. O quadro neurológico é de evolver mais lento e menos ameaçador8.
Frequentemente, os sinais e sintomas são desencadeados por aumento da pressão intracraniana, seja por agravamento da hidrocefalia pré-existente, seja por disfunção de sistemas de derivação previamente implantados, como observado em alguns de nossos casos. Assim sendo, em nosso julgamento, o tratamento inicial deve sempre consistir em derivação valvular ou revisão do sistema já instalado, pois a sintomatologia pode desaparecer após controle da hidrocefalia2,8,15,27,30. A despeito destas medidas, o quadro pode evoluir e progressão da herniação tem sido demonstrada em RNM seriadas31. Isto explica o aparecimento de sinais e sintomas em pacientes previamente estáveis, revelando o caráter progressivo da malformação.
O tratamento da MChII que cursa com comprometimento de nervos cranianos é controverso, em grande parte pelos decepcionantes resultados observados em recém-nascidos e lactentes. A descompressão crânio-vertebral em pacientes de baixa idade é defendida por diversos autores9,21,23,32. Vandertop et al.9 relataram mortalidade de 12% em 17 lactentes sintomáticos precocemente operados, sugerindo que uma pronta intervenção cirúrgica seria capaz de reverter o quadro. McLone12 coloca em questão o valor deste procedimento argumentando que muitos pacientes falecem e os que sobrevivem o fazem com acentuados problemas e qualidade de vida muito comprometida. Este autor acredita que para se defender a descompressão de fossa posterior em pacientes sintomáticos, um índice de sucesso superior a 2/3 deva ser demonstrado. Dahl et al.10 também registram prognóstico bastante desanimador, relatando a persistência de paralisia de cordas vocais, dificuldades de deglutição e necessidade de traqueostomia e gastrostomia, situação idêntica à por nós observada. Bell et al.24 registraram mortalidade de 50% em lactentes sintomáticos, concluindo que a descompressão cirúrgica tinha pouca influência na história natural da doença e que a inexorável progressão dos sintomas se relacionaria à desorganização intrínseca do tronco encefálico. McCullough e Johnson20 relatam que nenhum de seus pacientes foi submetido a descompressão: todos tinham derivações funcionantes, alguns necessitaram traqueostomia temporária e, os que evoluíram com estridor laríngeo, tiveram o problema contornado apenas com terapia respiratória. Milerad et al.33, relatam melhora gradual e posterior desaparecimento da apnéia do sono em lactentes tratados com acetazolamida, que estimularia os quimiorreceptores periféricos e centrais.
Alguns autores admitem que, nas formas sintomáticas da MChII, as causas sejam exclusivamente mecânicas9,21,34 e que a hidrocefalia controlada tornaria a compressão no nível da junção crânio-espinal o mais importante fator etiológico desta malformação. Em apoio a esta idéia, alterações isquêmicas e hemorrágicas atribuídas à compressão têm sido descritas21,34. Outros3-5,7,14,24 consideram que os sinais e sintomas estariam relacionados à desorganização estrutural do tronco encefálico, baseando-se em evidências clínicas e anatomopatológicas. Gozal et al.35, sugerem que os quimiorreceptores periféricos de portadores da MChII seriam anormais, tendo como consequência os distúrbios respiratórios associados ao sono, frequentemente observados nestes pacientes. Mori e Nishimura36 estudando potenciais evocados auditivos e somatosensitivos, observaram lenta maturação do tronco encefálico com sinais de deterioração, provavelmente resultando do estiramento de nervos cranianos baixos. Worley et al.37 identificaram potenciais evocados auditivos anormais em 11 dentre 12 neonatos que posteriormente desenvolveriam disfunção do tronco encefálico devido à MChII. Em 3 de nossos pacientes do Grupo I, os sinais e sintomas vieram a se manifestar após quadro de ventriculite e, apesar de os sistemas de derivação encontrarem-se funcionantes, houve progressão do quadro neurológico, sendo necessária descompressão crânio-cervical. A única paciente deste grupo que permanece viva foi aquela que não apresentou ventriculite. A nosso ver, a infecção do sistema nervoso pode ter adicionado um componente vascular à lesão compressiva do tronco encefálico, explicando assim sua progressão na vigência de pressão intracraniana controlada e a ausência de resposta à descompressão.
Torna-se óbvio que os resultados adversos obtidos na maioria de nossos lactentes submetidos a descompressão crânio-vertebral foram consequência da gravidade do quadro, refratário às outras medidas terapêuticas. Apesar das melhoras observadas, permaneceram com comprometimento de nervos cranianos bulbares, o que obrigou à realização de traqueostomia e gastrostomia e, em pelo menos um deles, a persistência de crises de apnéia foi a causa direta de sua morte.
Fonte: Tratado de Clínica Cirúrgica Neurocirurgia Pediátrica - Fundamentos e Estratégias
Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0004-282X1998000100016
Nenhum comentário:
Postar um comentário