domingo, 16 de outubro de 2011

Superando os desafios impostos a deficientes físicos

Nota do Editor: para o artigo de hoje, convidei o Luis Ricardo para escrever sobre o dia-a-dia de um portador de deficiência física, as dificuldades enfrentadas e as soluções encontradas para superá-las. Para quem não conhece, Ricardo, que é deficiente físico há 5 anos, tem 34 anos e mora em Niterói, é editor do Blog do The Best e do Blog do Deficiente Físico. Se você gosta de escrever e quiser colaborar com a Revista Entremundos, veja aqui como isso é possível.

O problema

Há cinco anos, comecei a perceber uma dificuldade para correr ou andar rápido, onde a minha perna direita não acompanhava a velocidade da esquerda e me causava um certo desequilíbrio. Para isso procurei um clínico geral e meu diagnóstico após alguns exames foi de estresse, sendo aconselhado uma diminuição na carga de trabalho, descanso e vitaminas. Contudo meu quadro não melhorou e resolvi procurar um neurologista, pois estava com algumas tremedeiras espontâneas na perna. Chegando ao médico, ele me avaliou e constatou hiperreflexia, indicando que fizesse uma ressonância de emergência. No mesmo dia consegui fazer a ressonância e a mesma, a princípio, não havia acusado nada de anormal, segundo o médico que a executou, sendo assim o neuro disse a seguinte frase: “Se não tiver nada na ressonância iremos investigar doenças degenerativas.”
Bem, como não havia acusado nada no exame, fiquei com a frase na cabeça e resolvi pesquisar na internet sobre hiperreflexia. Acabei encontrando algumas respostas no Google e cliquei no primeiro link, para saber o que me esperava. Essa é uma prática que não indico a ninguém, principalmente se você estiver desesperado. Nesse link que cliquei falava sobre uma doença degenerativa chamada Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) que acomete os músculos do corpo e vai fazendo com que eles parem de responder aos estímulos nervosos, ou seja parem de funcionar. A perspectiva de vida para um paciente com a doença era de até 1 ano, sendo a metade pelo menos com problemas graves.
Com isso, resolvi ver o segundo, o terceiro e o sexto link da primeira página de pesquisa e só encontrava essa doença. Pronto! Achei o que não queria e acabei por me desesperar mais ainda. Fui buscar outro médico, mas dessa vez um neuro-cirurgião, conhecido de uma amiga. Chegando ao médico, ele olhou meu exame e me disse que não tinha nada na minha coluna que justificasse, porém ele não poderia me ajudar. Ele me disse uma frase que me marcou nessa época: “Ou você é bom neurologista clínico, ou você é bom neuro-cirurgião. Ser bom nos dois, não é viável.” E me indicou que procurasse um médico renomado para avaliar o meu caso.
Procurei os médicos que ele indicou e somente um teria data para uma consulta de primeira vez na agenda dentro dos próximos 15 dias (mesmo sendo indicado por ele) e foi com esse que marquei. Ele não aceitava nenhum plano de saúde e cada consulta com ele custava “apenas” R$ 500,00. Avaliando os exames que tinha nas mãos, ele constatou que tinha um problema nas minhas artérias vertebrais e que elas poderiam estar pressionando o bulbo, porém mandou realizar mais exames (inclusive o que constata a ELA). Voltei com os resultados e não foi constatado nenhuma alteração significativa, ou seja eu não tinha ELA, e o médico me disse que seria necessária uma cirurgia para reposicionar as minhas artérias vertebrais, que segundo ele era simples.
Isso me deixou mais tranquilo, mesmo com o meu medo de cirurgias. Marquei o neurocirurgião, aquele mesmo que citei lá em cima, e ao chegar na consulta me deparei com uma notícia desagradável. A cirurgia que era simples passou a ser muito complexa e arriscada, pois estaria mexendo com a circulação do cérebro e nada impedia de arrebentar algum vaso, com isso poderia ter problemas e/ou sequelas futuros, com um risco de morte na mesa de cirurgia muito alto.
O médico foi bem claro e disse que só operaria com a certeza da necessidade e se sentisse segurança para fazê-la, mas que ele acreditava que o diagnóstico não fosse esse. Com isso, ele me perguntou se queria fazer mais alguns exames, e eu disse que sim. Ele pediu alguns exames evasivos, incluindo um cateter e um exame de liquor. Com os resultados em mãos, ele leu e me mandou levar de volta ao outro neuro para verificar se realmente necessitava da cirurgia, mas não me disse mais nada.
Vou resumir um pouco a historia para não me alongar muito mais. O médico ficou vermelho e me disse que não seria mais necessária a cirurgia e que eu tinha uma inflamação na medula, porém ele não poderia seguir com o tratamento e que eu deveria buscar um centro de pesquisa e referência (Hospital Universitário ou a Fiocruz). Comecei o meu tratamento no Hospital Universitário do Fundão, onde fui muito bem acolhido pela equipe de Neurologia da Dra Rosalie, e fui internado para começar o uso das medicações. Nessa época já estava há 3 meses na cadeira de rodas e sem nenhuma perspectiva de retornar a andar, mas depois de 1 mês e meio de tratamento e fisioterapia, já estava andando com auxilio de uma muleta.
Agora faço o tratamento regularmente e o meu problema está estabilizado, porém preciso ficar atento as modificações e aos medicamentos para que ele não retorne mais forte que da primeira vez.

O Blogueiro

Depois de ter passado por esse problemas todos e essa pressão, era compreensível que tivesse um estado de depressão, até porque o futuro ainda me era incerto e não sabia que voltaria a andar. Comecei então a fazer um tratamento psicológico, na ABBR, onde a psicóloga me indicou que fizesse alguma atividade que gostasse e me ocupasse a mente. Com isso, surgiu a ideia de fazer um blog de notícias em geral, porém voltado mais a tecnologia. No início, o Blog do The Best apenas trazia notícias de outros portais com alguns comentários e opiniões e era hospedado no blogspot, com um template padrão e recursos básicos.
Só que o meu interesse pelo assunto foi crescendo e a percepção de que um blog mais “profissional” poderia me ajudar um pouco mais, resolvi investir em um domínio próprio para alocar no blogger. Bem, essa ideia não deu certo, mas … Eis que me surge a brilhante idéia de usar o WordPress e usar uma hospedagem própria. Porém seria necessário colocar todo o meu conhecimento de publicidade online, que havia sido adquirido nas minhas leituras.
Aprendi a “programar em WordPress” e montei alguns temas para os meus blogs e para blogs de outras pessoas (como o Bichinhos de Jardim). O que no início era um tratamento terapêutico se tornou uma forma de “investimento”, porém não perdeu a sua função inicial e continuou me ajudando na parte psicológica, onde eu descobri que podia fazer diversas coisas e que não era um coitadinho.

Acessibilidade e legislação

Como deficiente posso dizer que a acessibilidade no Brasil é um artigo de luxo e que ainda estamos engatinhando. Mesmo com um sistema avançado de leis, que não são cumpridas na plenitude, não é possível incluir os deficientes no mercado de trabalho e na vida social pública, pois faltam transportes adequados, pavimentação acessível (ruas, calçadas e fachadas), conscientização/educação da população e um trabalho psicológico com os deficientes.
Posso dizer que o transporte público, além de não atender a população em geral e forma correta, deixa por muitas vezes os deficientes (principalemente os cadeirantes) literalmente na mão. Os ônibus adaptados são poucos e com horários irregulares, as estações de metrô nem sempre tem acessibilidade e as de trem não tem nenhuma acessibilidade (sendo quase todas com escadas enormes no Rio de Janeiro). As empresas que deveriam cumprir as metas de contratação de deficientes se escondem atrás da falta de capacitação dos mesmos ou da falta de deficientes para compor o quadro da empresa. O governo por sua vez não fiscaliza de forma eficaz a lei que determina a contratação obrigatória de deficientes.
As ruas são cada vez mais acessíveis, porém tem rampas com algum tipo de degrau, obstruídas ou com um ralo no final da descida. Além disso, em alguns dos monumentos ou passeios turísticos mais importantes das cidades são inacessíveis a deficientes. O acesso a prédios do governo, muitas vezes são inacessíveis para deficientes e quando apresentam a acessibilidade, não prestam o serviço preferencial. Por falar em preferencial, as vagas de estacionamento destinados aos deficientes não são respeitadas, por muitas vezes o cidadão mal educado ainda sai achando que levou vantagem. O pensamento da maioria dos infratores é de que a vaga está ali desocupada e sem utilidade ou que ele só vai demorar um pouquinho então pode usar a vaga.
Já com as filas preferenciais é um absurdo o que é feito em bancos, onde se coloca um caixa apenas para atender os idosos e deficientes, sabendo que eles sempre são os que mais demoram. Tudo bem que tem algumas empresas que se aproveitam do benefício dos idosos e acabam contratando-os para trabalhar.
Nota do editor: vejo dois pontos muito importantes no relato do Luis Ricardo. O primeiro são os enormes avanços que ainda são precisos para atender as necessidades especiais de deficientes físicos. Pense, por exemplo, no seu local de trabalho. O edifício possui rampas e outras facilidades para cadeirantes, por exemplo? Muito provavelmente, não. E as ruas da sua cidade? Muitas delas não são apropriadas nem para quem não é portador de deficiência física. Mas para contrabalançar isso, há o segundo ponto importante do seu relato: apesar das muitas dificuldades, deficientes físicos não devem ser vistos, e nem se ver, como coitadinhos. A superação dos seus limites é possível. No caso do Ricardo, conseguiu esta superação através do seu blog, ocupando a mente e o tempo sendo produtivo. E é isso que é essencial para todos que se vêem nesta situação: encontrar uma atividade que os faça perceber que ainda podem ser tão, ou mais, produtivos do que qualquer outra pessoa. Ficam aqui os meus parabéns ao Ricardo pela sua trajetória e pelo seu relato que, espero, ajudará outras portadores de necessidades especiais a encontrar motivação para superarem os seus desafios.

fonte:http://entremundos.com.br/revista/deficiente-fisico/

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