quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A criança com deficiência tem sexualidade como as outras. Tentar escondê-la é o que pode criar barreiras para seus prazeres.

Alessander tinha 4 anos quando sua mãe o surpreendeu numa brincadeira com os primos. “Eles queriam ver se o pênis do meu filho era diferente porque ele tem síndrome de Down“, conta Deisy Mohr Bauml. Nesse dia, ela se deu conta de que Alessander estava envolvido em explorações sexuais típicas da infância, que tinha sexualidade e precisava de orientação. A certeza veio um tempo depois num aviso da escola. “Havia uma queixa de que ele ficava se masturbando no recreio”, diz Deisy. Ela foi convidada a observar o filho junto com a professora e ambas constataram que o menino não fazia nada demais. “Ele ficava de vez em quando com a mão no pênis, assim como os colegas, mas as pessoas viam nisso um distúrbio por ele ser deficiente”, lembra a mãe. Deisy procurou a orientação de especialistas. Descobriu que em crianças com deficiência mental esse processo pode ser mais delicado porque elas percebem seu desenvolvimento corporal com atraso. Isso interfere no comportamento sexual, que fica exacerbado pela dificuldade que essa criança tem de se condicionar às normas sociais. “Sua energia e atenção precisam ser direcionadas para atividades que proporcionem prazer, como jogos e exercícios. Assim, ela não fica tão vulnerável aos estímulos de erotização”, diz Deisy, que se tornou pedagoga especialista em educação sexual para crianças especiais.
Sexualidade de crianças com deficiênciaPara a pediatra Luci Pfeiffer Miranda, coordenadora do Grupo de Trabalho de Crianças e Adolescentes Especiais da Sociedade Brasileira de Pediatria, as mudanças físicas e hormonais que despertam para a sexualidade estão presentes na criança com deficiência seja qual for sua limitação. “A evolução dessa sexualidade depende da autonomia da criança para explorar seu corpo e das condições oferecidas a ela para se relacionar”, explica Luci. O problema, segundo ela, é que a superproteção de muitos deficientes atinge também o campo sexual. “Muitos são tratados como assexuados. Crescem, mas continuam a ser vistos como bebês. A gente nota isso na forma como são vestidos. Não existe a preocupação de caracterizar a criança como menino ou menina”, aponta Luci.
Dicas para prevenir abuso sexual contra crianças e adultos com deficiência intelectual
O adolescente com deficiência intelectual e sua sexualidade
O psicólogo e educador sexual Fabiano Puhlmann lembra que quanto maior a orientação, mais recursos o deficiente mental terá para expressar seu desejo de forma adequada. “Ele precisa de informação e limites em doses maiores do que as outras crianças, mas isso não significa ter o desejo reprimido. Apenas ouvir mais vezes, por exemplo, que pode se masturbar no quarto sem ninguém ou no banheiro de portas fechadas, e não a qualquer hora e lugar na frente dos outros.” A médica Luci diz que esse reforço é importante, pois o deficiente é dependente de carinho. “Essa criança é presa fácil de abusadores ou até de paixões de curta duração. Por isso, merece um olhar mais atento.”
A criança que não enxerga tem desenvolvimento sexual normal. A diferença é que ela precisa de muita liberdade para descobrir seu corpo, pois é essa exploração que lhe permite sentir as mudanças físicas. “Se ela é reprimida, ficará insegura sobre como é e como os outros a vêem”, diz a pediatra Luci. Os pais devem valorizar as transformações para o filho, indicar que ele está crescendo e conversar sobre como essas mudanças o preparam para a vida sexual. “Os pais não podem tratá-lo como um bobinho. A idéia de que deve ser protegido dos outros é equivocada. A ausência de visão o faz ter percepção mais aguçada do que a nossa para a presença de alguém”, explica a médica.
Amor sem voz
Para a criança surda, o problema maior é a dificuldade de se comunicar. “Desde cedo os pais precisam ajudá-la, menos com palavras e mais com exemplos que a estimulem a construir uma linguagem própria para suas sensações e a identificar os sentimentos dos outros”, explica Nancy Maria Pinto Milani, que trabalha na Associação de Pais e Amigos de Pessoas Portadoras de Deficiência do Banco do Brasil, em Curitiba. Se isso não ocorrer, a criança surda tende a basear sua atração pelas pessoas em aspectos externos. “Ela se envolve com o primeiro que lhe dá atenção e demonstra carinho. Com isso, corre o risco de não ser compreendida, e desenvolve o medo da rejeição. Vai então limitar suas aproximações, procurando em geral outro deficiente auditivo”, diz.
Crianças com deficiência e sexualidadeAtração sobre rodas
Com o deficiente físico um parceiro igualmente deficiente não é a preferência ideal. “Por uma questão de bom senso. Imagine duas cadeiras de rodas num motel”, brinca o psicólogo Fabiano Puhlmann, que se tornou paraplégico aos 19 anos e escreveu o livro Revolução Sexual sobre Rodas – Conquistando o Afeto e a Autonomia (Editora O Nome da Rosa, 2000). Segundo ele, nada impede o deficiente físico de ter vida sexual normal. “Com o avanço da medicina e dos recursos tecnológicos de reabilitação, 99% dos casos de lesão medular têm tratamento e permitem sexualidade ativa. Quando isso não existe, é por questões psicológicas”, diz. Ele aponta a atitude de muitos pais, de esconder o filho com deficiência, como responsável pelas barreiras emocionais. “A criança tem de aprender que pode e deve ser vaidosa, fazer qualquer coisa para se sentir bonita. À medida que tiver prazer com seu corpo, terá prazer com o sexo.” A sexualidade é igual para todos. “Cabe à família e à escola valorizar essa questão e orientar a criança deficiente com informação”, resume a psicóloga Susete Figueiredo Bacchereti, orientadora de projetos de educação sexual para deficientes em escolas.
Orientação sexual
  • Instituto Beneficente Nosso Lar, São Paulo, % (11) 272-526
  • Instituto Kaplan — Centro de Estudos da Sexualidade Humana, com serviço gratuito de orientação sexual pelo % 0800-552533, das 9 às 20 horas, de segunda à sexta-feira, ou pelo site www.sosex.org.br
  • Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana, Rio de Janeiro, % (21) 2494-1087/2493-9657; www.sbrash.org.br
  • Revolução Sexual sobre Rodas – Conquistando o Afeto e a Autonomia, da Editora O Nome da Rosa, 2000, de Fabiano Puhlmann, R$ 18, a partir de 12 anos, %

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