domingo, 27 de novembro de 2011

"A experiência de ser deficiente me livrou de meus preconceitos"

Fabiano Puhmann Di Girolamo é uma dessa pessoas que se fazem notar pela disposição, alegria, inteligência e presença de espírito. Tem deficiência física há cerca de 20 anos, e é psicoterapeuta reconhecido por sua atuação na área da sexualidade humana. Mostrou em entrevista exclusiva ao Jornal da AME, que possui personalidade bastante eclética e se interessa por vários outros assuntos. Confira:
AME - Como se deu a deficiência em sua vida?
Fabiano Puhmann Di Girolamo - Meu acidente aconteceu em uma piscina, em um mergulho mal realizado, quando eu tinha 18 anos, quebrei o pescoço e perdi os movimentos e a sensibilidade dos braços e das pernas. Minha família era toda ligada a área de saúde: minha mãe, enfermeira; minha irmã, fisioterapeuta, meu pai trabalha com produtos hospitalares; minha avó dirigia um centro de reabilitação e eu já estava cursando técnico de fisioterapia. Minha família e eu recebemos muita ajuda e apoio dos amigos e membros da comunidade espírita. Meus primeiros dias como deficiente físico foram intensos em atividades físicas, psicológicas e de muita reflexão espiritual. O hospital e posteriormente minha casa funcionaram como um centro de reabilitação informal, os amigos e familiares se transformaram em voluntários, me fazendo exercícios motores nas pernas e braços e estimulação da sensibilidade através de tecidos (ásperos, macios, frios e quentes). Um primo, recém chegado de Israel, desenvolveu um aparelho de eletro-estimulação, em meio a todas estas atividades intensas que começavam às 5 da manhã e se estendiam até as 10 horas da noite. Uma vez por dia ainda recebia a bênção espírita através do passe e da oração cristã. Foi muito importante ter recebido este apoio bio-psico-sócio e espiritual no meu começo de vida como deficiente físico. Desenvolvi uma confiança muito forte na vida, no potencial humano, na importância da comunidade e na certeza da proteção divina. Como resultado do esforço coletivo melhorei muito, hoje sou uma pessoa feliz com meu corpo e minha vida. Vinte anos se passaram e posso afirmar que viveria tudo novamente. Minha vida é intensa, cheia de desafios, alegrias e sofrimentos, uma vida normal como a de tanta gente.

AME - Na sua infância e adolescência, antes do acidente, como foi seu contato com as pessoas com deficiência?
Fabiano - Desde minha infância, sempre tive um bom nível de contato com pessoas com deficiências, a começar por minha querida irmã, que é portadora de Síndrome de Down. Como minha avó dirigia um centro de reabilitação filantrópico para pessoas com deficiência, a "Instituição Beneficente Nosso Lar", eu acabei conhecendo a realidade de famílias carentes que tinham filhos com deficiências. Mais tarde, na adolescência, meus pais montaram também um centro de reabilitação, onde cheguei a trabalhar. Com minha irmã aprendi a amar os deficientes, com o Nosso Lar aprendi a responsabilidade social e comunitária, com a clínica de meus pais aprendi a ver o lado profissional do trabalho com Saúde e Educação, mas foi com a experiência de ser deficiente físico que me livrei de meus preconceitos.

AME - O que mudou na sua vida: como você era e como é hoje?
Fabiano - Eu era um jovem, hoje sou um homem. A deficiência física me ajudou a amadurecer; remédio amargo, porém necessário. Não foram apenas os anos que se passaram, foram as experiências que tenho vivido que têm me transformado. Meu corpo não mudou muito com o acidente, as seqüelas ainda não me atingiram, continuo mantendo meus músculos, meu alongamento com exercícios diários. É preciso ter disciplina para viver 20 anos como lesado medular. Pratico esportes, trabalho e vivo com muito amor.

AME - Hoje você é um profissional de reconhecida competência, principalmente na área da afetividade e sexualidade humana. Como ocorreu seu envolvimento nessa área?
Fabiano - Comecei a trabalhar profissionalmente com sexualidade há mais de 15 anos, no Instituto H. Ellis, onde fiz minha formação como terapeuta sexual, e depois, na Sociedade Brasileira de Sexualidade, onde completei minha formação como educador sexual. Ainda hoje participo como docente destas entidades, em seus cursos de formação, dando aulas de Sexualidade da pessoa com deficiência e também de Sexualidade nas diferentes mitologias, assunto que muito me interessa por causa da psicologia analítica.

AME - - Qual é sua dica para os jovens com deficiência, e seus familiares, que estão descobrindo o universo da afetividade e desabrochando para a sexualidade?
Fabiano - Vivemos hoje em um mundo mais livre, com menos preconceitos, repleto de informações. Os familiares podem ajudar seus filhos com deficiência favorecendo a autonomia e independência, e incentivando a inclusão educacional e econômica. Quanto a sexualidade é necessário procurar atendimento para as necessidades especificas: se existir algum tipo de disfunção orgânica procurar tratamento médico, se houver necessidade de psicoterapia ou educação sexual, seja individual, grupal ou de casal, procurar um bom psicólogo que conheça a realidade da pessoa com deficiência. Se a dificuldade estiver na convivência social, timidez, retraimento e preconceitos, além da psicoterapia estimular a convivência em grupo, através de atividades esportivas, musicais, teatrais e de contato, favorece também o aflorar da "inteligência social". A sexualidade é um importante veículo de auto-conhecimento e representa a realização pessoal quando integrada no todo da inclusão da pessoa na sociedade.

AME - Sua militância e envolvimento estendem-se também a outras áreas?
Fabiano - Hoje, tenho trabalhado com inclusão econômica e educacional no Instituto Paradigma; continuo como psicólogo clínico Junguiano; e tenho iniciado um trabalho de educação psico-financeira, individual e grupal. Mas muitos, ainda, me conhecem somente como educador e terapeuta sexual, talvez por causa de meu livro "A Revolução Sexual Sobre Rodas", da editora Nome da Rosa. Outro assunto que tem me envolvido é a gestão administrativa e financeira de entidades do Terceiro Setor. Sempre gostei de estudar e trabalhar com temas polêmicos e desafiadores, assim foi e ainda é com a sexualidade e tem se iniciado com as questões ligadas a dinheiro, gestão, finanças e investimentos, assuntos tão proibidos e ao mesmo tempo tão libertadores.

AME - Qual é o seu interesse em recursos que assegurem a independência e a inclusão da pessoa com deficiência?
Fabiano - Atualmente estou trabalhando no Instituto Paradigma, no LUF - Laboratório de Ultrapassagem de Fronteiras, setor do instituto que tem o objetivo de auxiliar os técnicos que lidam com inclusão educacional e econômica. No LUF temos interesse desde as questões de acessibilidade e desenho universal, até as ajudas técnicas e mediações pedagógicas e laborais que podem favorecer a inclusão nos postos de trabalho e nas escolas de pessoas portadoras de deficiências físicas, sensoriais e mentais. Sentindo a necessidade de me atualizar sobre as inovações internacionais em produtos de ajudas técnicas vou visitar a Medtrade-Orlando, maior Congresso e Feira de Exposição das Américas, referente a "Tecnologia Assistiva", área da ciência voltada para o desenvolvimento de ajudas técnicas. Esse evento acontece em Orlando (EUA), em outubro de 2004. O interesse pelos recursos para autonomia e independência da pessoa com deficiência começaram pelas minhas necessidades e de meus clientes. Na Espanha, onde são desenvolvidos trabalhos sobre ajudas técnicas, pude conhecer as novas tecnologias para inclusão digital de pessoas com paralisia cerebral e para os deficientes visuais. Também estive na Alemanha, onde encontrei uma bicicleta para exercícios nas pernas que possibilitou a um cliente melhorar sua condição física. Nos Estados Unidos, encontrei vários tipos de bicicletas adaptadas.

AME - Qual é a contribuição de uma bicicleta para a autonomia de uma pessoa com deficiência?
Fabiano - Bicicletas para pessoas com deficiência são uma realidade útil e necessária nos países da Europa devido a existência de ciclovias em todas as calçadas. Cidades grandes e pequenas eliminaram as barreiras das ruas com a construção das ciclovias. Existem bicicletas para cadeirantes, as chamadas hand-bikes; os triciclos para pessoas com problemas de equilíbrio, ou com avançada idade; e também bicicletas especiais para paralisados cerebrais, além de bicicletas com dois lugares para deficientes visuais, de modo que andar de bicicleta tornou-se um modo de estar incluído. Eu trouxe várias destas bicicletas para o Brasil e tenho fomentado a fabricação destes produtos com tecnologia nacional. Eu sou um aficionado pelas hand-bikes, tendo inclusive desenvolvido com Klauss-Polone, um conhecido fabricante de bicicletas esportivas, uma bicicleta totalmente adaptável a cadeiras de rodas. Ando com ela por praias, montanhas e ruas brasileiras.

AME - Na sua opinião, o que falta na sociedade para melhorar a qualidade de vida das pessoas com deficiência?
Fabiano - Inclusão educacional das pessoas com deficiência, desde o ensino fundamental até o limite de seu aprendizado; inclusão econômica, tornando a pessoa com deficiência um produtor e consumidor ativo; e a inclusão afetiva e sexual na sociedade aberta, tornando possível ao maior número possível de pessoas com deficiência construírem relacionamentos duradouros, repletos de desafios e de prazer.

AME - Poderia deixar uma mensagem ao nosso leitor?
Fabiano - Leitor consciente multiplica o conhecimento divulgando aquilo que aprendeu e assim faz sua parte para um mundo melhor para todos. Espero que minha experiência de vida tenha contribuído para melhorar sua vida e a de seus familiares. Conte comigo, eu ainda estou aqui e pretendo continuar, porque vale a pena.


  (IMAGEM DE HAND BIKE!)

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