Estatuto da Pessoa
com Deficiência
A natureza respeita as diferenças
Acessibilidade universal é direito de todos
Substitutivo
ao Projeto de Lei do
Senado,
do Sr. Paulo Paim, sobre a
instituição
do Estatuto da Pessoa com
Deficiência.
7ª Edição
(texto revisado e atualizado)
APRESENTAÇÃO
A
iniciativa
do nobre Senador Paulo Paim em apresentar o Projeto
de Lei do Senado no 6, de 2003, com a
finalidade de instituir o Estatuto
da Pessoa com Deficiência, vem ao encontro
a um antigo anseio da sociedade
brasileira, qual seja o de possuir um
aparato legal que assegure
direitos, promova e proteja as pessoas com
deficiência em nosso País.
Desde o início de sua tramitação no Senado
Federal, tive a honra
de ser indicado relator do projeto.
Coube-me a tarefa de analisar a proposta
original e incorporar ao texto as sugestões
oriundas dos debates e
discussões promovidos com a participação da
sociedade durante estes
três anos de trâmite nesta Casa.
Foram várias audiências, reuniões, debates
e ocasiões em que
pudemos ouvir dos diversos segmentos que
atuam nesta área. Tivemos,
inclusive, a oportunidade de debater o
Estatuto com todas as Assembléias
Legislativas dos estados brasileiros
durante seminário realizado por meio
do Sistema Interlegis.
Recebemos durante estes anos milhares de
manifestações, idéias,
críticas e opiniões vindas das mais
diversas regiões brasileiras, sendo
que todas foram analisadas sob os aspectos
legais, práticos e políticos
e, posteriormente, incorporadas ao projeto.
Com o objetivo de adequar a matéria aos
avanços e às tendências
mundiais, promovemos uma audiência para
analisar o projeto à luz da
Convenção dos Direitos da Pessoa com
Deficiência, aprovada em agosto
de 2006 pela Organização das Nações Unidas
(ONU).
Após estas discussões, alcançamos, a meu
ver, um texto coeso, que
contempla direitos fundamentais como
assistência social, educação,
saúde, lazer, sanções penais, proteção aos
direitos, além da criação de
conselhos de atendimento e promoção da
pessoa com deficiência. A
proposta também traz definições
importantes, conceituando deficiência visual, auditiva, intelectual,
surdo-cegueira, autismo, física, condutas
típicas e múltipla, podendo ainda enquadrar
um contingente expressivo
de deficiências contidas na Classificação
Internacional de Funcionalidade
(CIF).
A versão hora apresentada foi aprovada por
unanimidade na Comissão
de Direitos Humanos e Legislação
Participativa e segue para
análise e debate na Câmara dos Deputados,
onde esperamos que seja
discutida com o mesmo entrosamento com a
sociedade ocorrido durante
a tramitação no Senado.
Desejamos que o Estatuto da Pessoa com
Deficiência se consolide
como uma referência legal para este
segmento e que, acima de tudo,
seja posto em prática, contribuindo para
modificar a realidade de milhões
de brasileiros e brasileiras com
deficiência. Cumpra-se a lei! Este
é o nosso anseio.
Senador Flávio
Arns
Relator
do Estatuto da Pessoa com Deficiência
SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI
DO SENADO NO 6,
DE 2003
(Do Sr. Paulo Paim)
Institui o
Estatuto da Pessoa com
Deficiência
e dá outras providências.
O Congresso Nacional decreta:
LIVRO I
PARTE GERAL
TÍTULO I
DAS
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1o
Fica
instituído o Estatuto da Pessoa com Deficiência,
destinado a estabelecer as diretrizes
gerais, normas e critérios básicos
para assegurar, promover e proteger o
exercício pleno e em condições
de igualdade de todos os direitos humanos e
liberdades fundamentais
pelas pessoas com deficiência, visando sua
inclusão social e cidadania
participativa plena e efetiva.
Art. 2o
Considera-se
deficiência toda restrição física, intelectual
ou sensorial, de natureza permanente ou
transitória, que limita a capacidade
de exercer uma ou mais atividades
essenciais da vida diária e/ou
atividades remuneradas, causada ou agravada
pelo ambiente econômico
e social, dificultando sua inclusão social,
enquadrada em uma das
seguintes categorias:
I – Deficiência Física:
a) alteração completa ou parcial de um ou
mais segmentos do corpo
humano, acarretando comprometimento da
função física, apresentandose
sob a forma de paraplegia, paraparesia,
monoplegia, monoparesia,
tetraplegia, tetraparesia, triplegia,
triparesia, hemiplegia, hemiparesia,
ostomia, amputação ou ausência de membro,
paralisia cerebral, nanismo,
membros ou face com deformidade congênita
ou adquirida;
b) lesão cerebral traumática: compreendida
como uma lesão adquirida,
causada por força física externa,
resultando em deficiência
funcional total ou parcial ou deficiência
psicomotora, ou ambas, e que comprometem o desenvolvimento e/ou desempenho
social da pessoa,
podendo ocorrer em qualquer faixa etária,
com prejuízos para as capacidades
do indivíduo e seu meio ambiente;
II – Deficiência Auditiva:
a) perda unilateral total;
b) perda bilateral, parcial ou total média
de 41dB (quarenta e um)
decibéis ou mais, aferida por audiograma
nas freqüências de 500HZ,
1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz;
III – Deficiência Visual:
a) visão monocular;
b) cegueira, na qual a acuidade visual é
igual ou menor que 0,05 no
melhor olho, com a melhor correção óptica;
a baixa visão, que significa
acuidade visual entre 0,5 e 0,05 no melhor
olho e com a melhor correção
óptica; os casos nos quais a somatória da
medida do campo visual em
ambos os olhos for igual ou menor que 60o; a ocorrência
simultânea de
qualquer uma das condições anteriores;
IV – Deficiência Intelectual: funcionamento
intelectual significativamente
inferior à média, com manifestação no
período de desenvolvimento
cognitivo antes dos 18 (dezoito) anos e
limitações associadas a
duas ou mais áreas de habilidades
adaptativas, tais como:
a) comunicação;
b) cuidado pessoal;
c) habilidades sociais;
d) utilização dos recursos da comunidade;
e) saúde e segurança;
f) habilidades acadêmicas;
g) lazer;
h) trabalho.
V – Surdo-cegueira: compreende a perda
concomitante da audição
e da visão, cuja combinação causa
dificuldades severas de comunicação
e compreensão das informações, prejudicando
as atividades educacionais,
vocacionais, sociais e de lazer,
necessitando de atendimentos
específicos, distintos de iniciativas
organizadas para pessoas com surdez
ou cegueira;
VI – Autismo: comprometimento global do
desenvolvimento, que se
manifesta tipicamente antes dos três anos,
acarretando dificuldades de
comunicação e de comportamento,
caracterizando-se freqüentemente
por ausência de relação, movimentos
estereotipados, atividades repetitivas, respostas mecânicas, resistência a
mudanças nas rotinas diárias
ou no ambiente e a experiências sensoriais;
VII – Condutas Típicas: comprometimento
psicossocial, com características
específicas ou combinadas, de síndromes e
quadros psicológicos,
neurológicos e/ou psiquiátricos, que causam
atrasos no desenvolvimento
e prejuízos no relacionamento social, em
grau que requeira atenção e
cuidados específicos em qualquer fase da
vida;
VIII – Deficiência Múltipla: associação de
duas ou mais deficiências,
cuja combinação acarreta comprometimentos
no desenvolvimento global
e desempenho funcional da pessoa e que não
podem ser atendidas em
uma só área de deficiência.
§ 1o Considera-se também
deficiência a incapacidade conceituada
e tipificada pela Classificação
Internacional de Funcionalidade, Incapacidade
e Saúde – CIF.
§ 2o Entende-se como
deficiência permanente aquela definida em
uma das categorias dos incisos ou do
parágrafo 1o deste
artigo e que se
estabilizou durante um período de tempo
suficiente para não permitir
recuperação ou ter probabilidade de que se
altere, apesar de novos
tratamentos.
§ 3o As categorias e suas
definições expressas nos incisos e parágrafo
1o não excluem outras
decorrentes de normas regulamentares a serem
estabelecidas pelo Poder Executivo, ouvido
o Conselho Nacional da
Pessoa com Deficiência.
Art. 3o
Para
fins de aplicação da presente lei, considera-se:
I – apoios especiais: a orientação, a
supervisão, as ajudas técnicas,
entre outros elementos que auxiliem ou
permitam compensar uma ou
mais limitações motoras, sensoriais ou
mentais da pessoa com deficiência,
favorecendo a sua autonomia, de forma a
contribuir com sua inclusão
social, bem como beneficiar processo de
habilitação e reabilitação ou
qualidade de vida;
II – ajudas técnicas: qualquer elemento que
facilite a autonomia
pessoal ou possibilite o acesso e o uso de
meio físico, visando à melhoria
da funcionalidade e qualidade de vida da
pessoa com deficiência,
como produtos, instrumentos, equipamentos
ou tecnologia adaptados ou
especialmente projetados, incluindo órteses
e próteses, bolsas coletoras
para ostomizados, bloqueadores, protetores,
filtros e demais preparados
anti-solares para terapias; cão-guia,
leitores ou ledores para cegos, entre
outros; que, devido ao seu grau de
deficiência, exige condições peculiares para
o desenvolvimento de atividades, como
jornada de trabalho variável,
horário flexível, entre outros.
Art. 4o
São
princípios fundamentais deste Estatuto:
I – respeito à dignidade inerente,
autonomia individual incluindo
a liberdade de fazer suas próprias
escolhas, e à independência das
pessoas;
II – não discriminação;
III – inclusão e participação plena e
efetiva na sociedade;
IV – respeito pela diferença e aceitação da
deficiência como parte
da diversidade e da condição humana;
V – igualdade de oportunidades;
VI – acessibilidade;
VII – igualdade entre homens e mulheres;
VIII – respeito pela capacidade em
desenvolvimento das crianças
com deficiência e respeito ao direito das
crianças com deficiência de
preservar suas identidades.
Art. 5o
É dever
do Estado, da sociedade, da comunidade e da
família assegurar, com prioridade, às
pessoas com deficiência a plena
efetivação dos direitos referentes à vida,
à saúde, à sexualidade, à paternidade
e à maternidade, à alimentação, à
habitação, à educação, à
profissionalização, ao trabalho, à
previdência social, à habilitação e à
reabilitação, ao transporte, à acessibilidade,
à cultura, ao desporto, ao
turismo, ao lazer, à informação e à
comunicação, aos avanços científicos
e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência
familiar e comunitária, dentre outros
decorrentes da Constituição Federal
e das leis, que propiciem seu bem estar
pessoal, social e econômico.
Art. 6o
A
garantia de prioridade estabelecida no artigo 5o desta
Lei compreende, dentre outras medidas:
I – primazia de receber proteção e socorro
em quaisquer circunstâncias;
II – precedência de atendimento nos
serviços públicos ou de relevância
pública, junto aos órgãos públicos e
privados prestadores de
serviços à população;
III – preferência na formulação e na
execução das políticas sociais
públicas;
IV – destinação privilegiada de recursos
públicos nas áreas relacionadas
com a pessoa com deficiência; V –
priorização do atendimento da pessoa com deficiência por
sua própria família, em detrimento de
abrigo ou entidade de longa permanência,
exceto das que não possuam ou careçam de condições
de
manutenção da própria sobrevivência;
VI – capacitação e reciclagem dos recursos
humanos nas áreas da
pessoa com deficiência, bem como na
prestação de serviços;
VII – estabelecimento de mecanismos que
favoreçam a divulgação de
informações de caráter educativo sobre
aspectos ligados à deficiência;
VIII – garantia de acesso à rede de
serviços de saúde e de assistência
social locais.
§ 1o Entende-se por
precedência de atendimento aquele prestado à
pessoa com deficiência, antes de qualquer
outra, depois de concluído
o atendimento que estiver em andamento.
§ 2o Nos serviços de
emergência dos estabelecimentos públicos
e privados de atendimento à saúde, a
primazia conferida por esta lei
fica condicionada à avaliação médica em
face da gravidade dos casos
a atender.
§ 3o Cabe à União, aos
Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal,
no âmbito de suas competências, criar
instrumentos para a efetiva
implantação e controle do atendimento
prioritário referido nesta Lei.
Art. 7o
Compete
a União, Estados, Distrito Federal e Município, no
âmbito de suas competências, a criação de
órgãos próprios, integrantes da
Administração Pública Direta e Indireta,
direcionados à implementação
de políticas públicas voltadas à pessoa com
deficiência.
Art. 8o
As
obrigações previstas nesta Lei não excluem as já estabelecidas
em outras legislações, inclusive em pactos,
tratados, convenções
e declarações internacionais nos quais o
Brasil seja signatário.
Art. 9o
Nenhuma
pessoa com deficiência será objeto de discriminação.
§ 1o Considera-se
discriminação qualquer distinção, restrição ou
exclusão em razão da deficiência, mediante
ação ou omissão, que tenha
o propósito ou efeito de prejudicar,
impedir ou anular o reconhecimento,
gozo ou exercício de seus direitos e
liberdades fundamentais.
§ 2o Não constitui
discriminação a diferenciação ou preferência
adotada para promover a inclusão social ou
o desenvolvimento pessoal,
não sendo as pessoas com deficiência
obrigadas a aceitar tal diferenciação
ou preferência.
Art. 10. Nenhuma pessoa com
deficiência, sobretudo mulheres
e crianças com deficiência, será objeto de
qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, tortura,
crueldade, opressão,
tratamento desumano ou degradante, punido
na forma da lei qualquer
atentado, por ação ou omissão, aos seus
direitos fundamentais.
Art. 11. É dever de todos
comunicar à autoridade competente
qualquer forma de ameaça ou violação dos
direitos da pessoa com
deficiência
Art. 12. Na interpretação desta
Lei, levar-se-á em conta o princípio
da dignidade da pessoa humana, os fins
sociais a que ela se destina e as
exigências do bem comum.
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